acordei certa feita em Bordeaux

acordei certa feita em Bordeaux. à noite, no ônibus, olhava a janela à espera de que o tempo fosse gentil comigo e não passasse. afinal em poucas horas eu estaria em Bordeaux. plena madrugada, sozinha. estrangeira. é engraçado pensar que o mesmo ímpeto que me fazia amanhecer numa estação de trem em Bordeaux dividindo o sono com bêbados e moribundos — o ímpeto que me levou a ver o nascer do sol em Bordeaux às margens do rio Geronne — é o mesmo ímpeto que me levou, hoje, no mês de maio, quase três anos depois, veja só, a visitar Taguatinga numa noite fria de tempestade e vazio.

naquele dia, passeei pelas ruas de Bordeaux, seus mercados, experimentei da comida, bebi do vinho, conversei com pessoas como que pra buscar um sentido. hoje em Taguatinga pouco vi. não bebi, não comi, não falei com pessoa. é engraçado pensar que aquilo de que eu fugia quando viajei a Bordeaux permanece ainda aqui. esta solidão. esta pequenez. este embaraço.
naquele dia, fiquei doente em Bordeaux, como há de sempre ser. hoje, voltando de Taguatinga, sinto novamente aquele aborrecimento na garganta.

um roxo nó com parecenças a choro. meu corpo é só chagas de tanto desatino e descuido. este oco que mais cedo me rachou em duas, em três, esta rachadura ametista incrustada no estômago este ímpeto, ora, É o sol de Bordeaux no amanhecer do dia.


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